A regionalização
do espaço brasileiro
A divisão do Brasil em espaços regionais não é tarefa fácil. Quais os limites da
área central? E a periferia imediata, contígua ao centro econômico, com o qual
tem ligações de toda ordem, onde começa e onde termina?
Além da dificuldade de estabelecer os limites entre uma região e outra, há o
problema de que a realidade espacial é dinâmica, sobretudo no caso do Brasil,
que tem passado nas últimas décadas por intensas transformações.
Na raiz das dificuldades está a questão dos critérios a serem adotados para se
proceder a uma divisão espacial. Que elementos ou características do espaço
serão considerados na delimitação regional? Os elementos econômicos e sociais
são, sem dúvida, os mais importantes e adequados. Porém o Brasil possui grandes
áreas onde as; paisagens naturais ainda não foram muito modificadas pela ação
humana. Além disso, no âmbito da economia e da sociedade, que aspectos servirão
de base para fazer a divisão do território? E como medi-los com precisão?
As respostas a essas interrogações não são simples
e dependem das posturas políticas e teóricas de quem pro- põe os
critérios para a regionalização. Vejamos a seguiras duas regionalizações mais
comumente utilizadas e uma regionalização mais recente, sugerida pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com a preocupação maior de
caracterizar as regiões consideradas.
A
divisão político-administrativa
O Brasil é dividido oficialmente em cinco regiões: Sudeste, Sul, Nordeste,
Centro-Oeste e Norte (mapa da
página
seguinte). Trata-se de uma divisão político-administrativa
elaborada pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) com base na homogeneidade física, humana e
econômica das regiões. Como seus limites coincidem com os limites dos estados,
essa divisão tem grande valor para fins estatísticos e de planejamento.
O critério de homogeneidade adotado pelo IBGE, contudo, tem sido questionado,
uma vez que as características regionais não acompanham necessariamente o
traçado dos estados. Tamanhas são as diferenças no interior de uma mesma região
que nos últimos anos têm surgido várias propostas para a criação de novos
estados e territórios. Entre elas, destaca-se a criação dos estados de Araguaia
(norte de Mato Grosso), Carajás e Tapajós (a serem desmembrados do Pará). Os
novos territórios seriam: Alto Solimões, Rio Negro e Juruá (desmembrados do
Amazonas). Observa-se que a maioria das propostas - cercadas dos mais diferentes
interesses econômicos e político-estratégicos
- refere-se ao desmembramento da região Norte do país.
Os espaços regionais
Uma forma alternativa de classificação regional é aquela que não se atém aos
limites estaduais e, por isso, é pouco prática, mas reflete com maior precisão
os limites da homogeneidade de cada região. Segundo essa classificação, o Brasil
divide-se em três grandes espaços regionais: o Centro-Sul, o Nordeste e a
Amazônia (mapa a seguir).
Centro-Sul:
desconcentração e desenvolvimento
O Centro-Sul compreende o sul de Mato Grosso, Goiás, o sul de Tocantins, a maior
parte de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
Trata-se do complexo regional mais importante, englobando o centro econômico do
Brasil, bem como as áreas mais intensamente ligadas a ele. Concentra mais de 60%
da população brasileira, o principal parque industrial, a mais moderna produção
agropecuária, a maior produção de energia, as maiores redes ferroviária e
rodoviária, as principais universidades e centros de pesquisa científica de
ponta.
Além de reunir dezesseis das vinte e três áreas metropolitanas do país (São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e outras menores),
é no Centro-Sul que se localiza a capital federal, pólo de decisões
político-administrativas do Brasil.
Como vimos, foi no interior desse complexo regional que se iniciou o processo de
desconcentração econômica. Na região metropolitana de São Paulo, as políticas de
investimento voltadas para a consolidação dos setores petroquímico - refinarias
de Paulínia (Replan) e São José dos Campos (Revap) - e siderúrgico - Cosipa -
resultaram na desconcentração de atividades produtivas.
Também foi decisiva a implantação de institutos de pesquisa de ponta associados
ao setor produtivo na região de Campinas - Unicamp - e em São José dos
Campos - Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA).
Além disso,
aprofundou-se a integração de subregiões que se voltaram para o desenvolvimento
de complexos agroindustriais - soja, laranja, carne e cana
de
açúcar -, particularmente o Oeste paulista. Também se ampliou a diversificação
industrial de Minas Gerais e Espírito Santo (indústrias de bens de produção),
sobretudo em conseqüência da redução da atração exercida pelo estado do Rio de
Janeiro.
Os três estados que correspondem à região Sul na divisão do IBGE
deixaram de ter uma estrutura produtiva fundamentada particularmente na
agropecuária, passando a desenvolver diferentes ramos industriais: indústrias de
bens de capital (implementos agrícolas, máquinas), indústrias de bens de consumo
não-duráveis, indústria de madeira e de couro e calçados.
0 dinamismo industrial dessa área continuou associa- do ao
desenvolvimento de complexos agroindustriais, destacando-se sua produção
granjeira, de grãos e carnes, diretamente vinculada às indústrias de bens de
consumo não- duráveis. Estão na região Sul alguns dos mais importantes
abatedouros de gado e frigoríficos do país, especializados na produção de
embutidos e frangos para consumo nacional e para exportação. A proximidade
geográfica dessa região com os países vizinhos do Mercosul privilegia suas
atividades produtivas e a exportação de seus produtos.
Na porção centro-oeste desse espaço regional, a grande
disponibilidade de terras, os incentivos fiscais e financeiros, além da
crescente atração exercida pela capital do país, contribuíram para que a
fronteira agrícola se ampliasse cada vez mais. A moderna produção agropecuária
(soja, milho, carne) é voltada principalmente para o mercado externo. Desde a
década de 1970, indústrias de bens de consumo ligadas a essa produção agrícola
dirigem-se para a região. A integração de transportes rodofluviais no conjunto
da hidrovia Tietê-Paraná tem permitido a essa área ampliar suas atividades,
determinando mudanças significativas na ocupação do espaço e na formação de
redes de comunicação (foto abaixo).
Nordeste: incentivos para a integração
Além de todos os estados que compõem o Nordeste
na classificação oficial, esse espaço regional abrange o extremo
norte do estado de Minas Gerais. Reúne aproximadamente 30% da população
brasileira e, desde o processo de integração econômica, destacou-se por ser uma
zona de refluxo demográfico, fornecendo mão-de-obra para as demais regiões. As
políticas regionais de desenvolvimento, com incentivos fiscais e investimentos
estatais diretos, criaram outras formas de integração desse espaço regional ao
restante do país.
A desconcentração que teve início na década de 1950, com forte
interferência do Estado, intensificou-se a partir da década de 1980, graças à
iniciativa privada. Nos últimos anos, destacam-se a instalação de um pólo
automotivo junto a Salvador e a consolidação da indústria de bens
intermediários: setor químico, particularmente em Recife (PE); setor
petroquímico na Bahia, com o Pólo Petroquímico de Camaçari (foto abaixo), que
envolve relações com Sergipe e Alagoas; e indústrias tradicionais de produtos
têxteis e alimentícios, como a indústria açucareira. Fortaleza, Recife (Grande
Recife) e Salvador (Centro Industrial de Aratu), como metrópoles nacionais,
concentram as principais atividades produtivas da região.
0 setor agropecuário, tradicionalmente dividido entre os
latifúndios canavieiros da Zona da Mata, a policultura do Agreste e a pecuária
extensiva do Sertão, iniciou seu processo de modernização sobretudo no final dos
anos 1980. Destacam-se a produção de grãos no oeste baiano e a agricultura
irrigada do vale médio do São Francisco (Bahia e Pernambuco).
Amazônia: paisagem natural
0 complexo amazônico reúne todos os estados que correspondem ao
Norte do país na divisão oficial, o oeste do Maranhão, o centro-norte de Mato
Grosso e Tocantins.
Toda a região é associada à grande paisagem natural formada pela floresta
equatorial úmida e pela densa rede hidrográfica da bacia Amazônica. Apesar de
ter sido intensamente ocupada e explorada a partir da década de 1970, essa
região ainda apresenta uma baixa densidade demográfica.
As atividades produtivas concentram-se no extrativismo vegetal e mineral e na
agropecuária.
Também nesse caso, a integração ao centro econômico do país ocorreu graças a uma
forte intervenção do Estado: a criação da Sudam, do Banco da Amazônia (Basa) e
da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
A Zona Franca foi criada em 1967 com o objetivo de estimular a industrialização
da cidade e sua área adjacente, bem como ampliar seu mercado de trabalho.
Trata-se de uma área de livre comércio, em que não são cobrados impostos de
importação sobre os produtos comprados do exterior. Além de contribuir para o
desenvolvimento do comércio local, a isenção alfandegária favoreceu a formação
de um expressivo distrito industrial junto à capital do Amazonas (foto abaixo).
A maioria de suas indústrias, contudo, é apenas montadora de produtos obtidos
com tecnologia estrangeira.
As estratégias de ocupação da Amazônia envolveram projetos militares voltados
para a segurança nacional (controle das fronteiras) e para a identificação das
riquezas minerais. Com o objetivo de ocupar o "grande vazio demográfico" e
anexar definitivamente a região ao restante do país, foram elaboradas políticas
de incentivo à imigração.
Além das políticas regionais, outro fator importante para o desenvolvimento de
atividades produtivas foram os investimentos de grandes grupos econômicos
nacionais e estrangeiros interessados nas atividades de extração mineral -
ferro, manganês, bauxita, ouro, etc. A preocupação em explorar as
matérias-primas para a siderurgia e metalurgia do alumínio também estava
relacionada com a necessidade de o governo brasileiro aumentar as exportações
para pagar a dívida externa do país.
Quanto à atividade industrial, destacam-se na região o pólo siderúrgico do
Grande Carajás e o pólo eletrônico da Zona Franca de Manaus. 0 primeiro
localiza-se no Pará, relaciona-se com o Maranhão e pode ser visto como um núcleo
inicial de uma zona industrial. No segundo, instalaram-se grandes empresas
nacionais do setor.
0 espaço brasileiro segundo o IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
Desde 1990, o Pnud vem introduzindo na análise do espaço mundial uma nova
conceituação de desenvolvimento e um novo índice para medi-lo - o índice de
Desenvolvimento Humano (IDH).
Com o término da guerra fria, o fim do socialismo e os altos índices de
desemprego e de miséria social, que denunciam o mundo capitalista desenvolvido
não necessariamente como vencedor, aumentou a percepção de que o desenvolvimento
não pode ser medido somente em termos da expansão da base produtiva.
Quando o crescimento econômico, a pobreza e o desemprego pareciam ser a
inevitável parceria do final do século, a realização de uma série de fóruns
internacionais
ao longo da década de 1990 apontou importantes perspectivas sociais, políticas,
culturais e ambientais para o desenvolvimento interno das nações e para as
relações I internacionais.
O conceito de desenvolvimento passou a ter como referencial o valor da igualdade
entre as pessoas, valorizando o mesmo acesso a oportunidades de educação, saúde
e emprego. Ou seja, tudo o que possibilita a ampliação da participação da
maioria da população na vida econômica, política e cultural de um país.
É o que o relatório anualmente elaborado pelo Pnud, em associação com o
Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chama de
desenvolvimento das pessoas, desenvolvimento para as pessoas e desenvolvimento
pelas pessoas.
Com base nesses novos paradigmas, os relatórios publicados desde 1996 apontam
uma nova estruturação do espaço brasileiro, considerando não mais os critérios
administrativos ou de integração econômica como fonte de regionalização.
0
que já se pode chamar de "Nova Regionalização" parte de outras dimensões do
desenvolvimento humano, como a expectativa de vida, a escolaridade e a
renda.
0 IDH, originalmente criado para classificar países, foi obtido para cada região
brasileira definindo-se a medida de privação de três fatores: saúde, educação e
poder de consumo. Sua escala vai de 0 a 1, mas diferencia-se das conceituações
de caráter mais econômico, como o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. 0
limite máximo 1 não é considerado um ideal a ser alcançado, pois o objetivo é
que o desenvolvimento represente uma ampliação cada vez maior de oportunidades e
opções, numa superação contínua de todas as variáveis.
0 mapa abaixo sintetiza a nova diferenciação regional.
A primeira área reúne o Pará, Tocantins, os estados da região Nordeste e o Acre,
que apresentam um reduzido nível de desenvolvimento humano (IDH inferior a 0,7).
A segunda faixa, que reúne os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, e a
porção da região Norte compreendida por Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá,
apresenta IDHs inseridos no intervalo de 0,7 a 0,8. Finalmente, há a área
constituída por sete estados do Centro-Sul do país que, juntamente com o
Distrito Federal, apresenta elevado nível de desenvolvimento humano (IDH
superior a 0,8).
Na média, portanto, o Brasil está situado entre os países de nível intermediário
de desenvolvimento humano. Como vimos no capítulo 8, figura em 69° lugar no
mundo, com IDH de 0,750. Os primeiros classificados são: Noruega (0,939),
Austrália (0,936), Canadá (0,936),
Suécia (0,936) e Bélgica (0,935). Na América Latina, em ordem, Argentina,
Uruguai, Chile, Costa Rica, México, Panamá, Venezuela e Colômbia estão à frente
do Brasil.
Considerando-se a classificação por região administrativa do Brasil, os valores
do IDH referentes às regiões Sul (0,844), Sudeste (0,838) e Centro-Oeste (0,826)
são muito aproximados, mas muito superiores aos estados do Norte (0,706), que,
por sua vez, estão bastante distantes do índice nordestino (0,548).
Observa-se, portanto, que essa classificação distingue com maior clareza a
escala de diferenciação regional no país. Assim, muitos analistas já falam em
"três Bra sis", superando uma conhecida classificação de alguns anos atrás, que
considerava "dois Brasis". Antes conhecido por
Belíndia
(nome
formado de Bélgica e
índia),
hoje o país apresenta um perfil mais diversificado. Além da
porção rica, com semelhanças à Bélgica, e da pobre (Índia), surgiu na última
década uma região intermediária, com índices aproximados aos da Bulgária, por
exemplo.
A estrutura
centro-periferia
As análises econômicas da estruturação regional demonstram que o espaço
geográfico brasileiro está organizado segundo um modelo centro-periferia,
característico da fase atual do sistema capitalista.
O centro é formado pelas duas metrópoles globais
São
Paulo e Rio de Janeiro -, cada qual com suas respectivas áreas metropolitanas e
adjacências, bem como pela faixa que une essas metrópoles - o vale do rio
Paraíba do Sul, sobre o qual passa a rodovia Presidente Dutra (foto da página
seguinte). Esse espaço, altamente industrializado e urbanizado, configura uma
megalópole, que começa na Depressão Periférica Paulista, nas cidades de Limeira,
Americana e Piracicaba (mapa da página seguinte). Ao longo desse eixo, estão
localizadas as sedes das grandes empresas - nacionais (privadas e estatais) e
transnacionais -, os grandes bancos, as maiores bolsas de valores, serviços
médicos especializados, as maiores universidades do país.
A periferia é constituída de diversas áreas, cada qual com suas características
e suas paisagens, mas todas ligadas por laços de dependência econômica, política
e cultural com São Paulo e Rio de Janeiro. A maior parte das relações das áreas
periféricas com o centro é feita por intermédio das atividades industriais, do
comércio e dos serviços existentes nas metrópoles nacionais.
Observa-se, portanto, que apesar do processo de desconcentração econômica,
particularmente do setor industrial, a organização do espaço brasileiro é
comandada por um centro, estruturado a partir de São Paulo, que tem a mais
completa estrutura produtiva de todo o território nacional, ou seja, modernos e
desenvolvidos setores agropecuário, industrial e de serviços.
Essa estrutura é comandada pelo grande capital monopolista, representado por
grandes empresas e conglomerados e o único com condições de articular os segmentos
produtivos regionais, direcionando os investimentos nas regiões periféricas
segundo seus interesses. Assim, podemos observar que a atual divisão
inter-regional do trabalho é basicamente a mesma desde meados do século XX.
O processo de desconcentração pouco alterou essa divisão, pois as economias
periféricas tiveram de se adaptar aos interesses da região mais industrializada,
especializando-se em produzir aquilo que é necessário para a moderna estrutura
produtiva do Sudeste. Essa é justamente a característica que faz do território
brasileiro um espaço articulado, com as economias regionais muito mais voltadas
para as trocas internas do que para o mercado internacional. No entanto, essa
situação parece começar a se alterar com os estímulos dados ultimamente à
exportação e os acordos estabelecidos com os grandes mercados globais - Nafta e
União Européia - e, principalmente, com os parceiros do Mercosul.