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A PRIMEIRA TELA DE LANDELL DE MOURA: GUIDO MONDIN


MEMÓRIA SOBRE A TELA DO PADRE LANDELL DE MOURA

           Nós desaparecemos, mas se fizermos algo de útil que fique materialmente testemunhado, é bom que se deixe alguma coisa escrita para o conhecimento ou pesquisa da investigação futura. Executei o retrato do admirável sábio-cientista Padre Roberto Landell de Moura, um paradigma dos que deixaram positivamente marcado o que fizeram em sua passagem pela terra, embora não devidamente reconhecidos. Como nasceu e se desenvolveu a tela?

           A Liga de Defesa Nacional, RS, teve a lembrança de homenagear, em 1984, ao ensejo da Corrida do Fogo Simbólico da Pátria, o Pioneiro das Telecomunicações. Além do oficio em que a Diretoria Regional propunha a idéia à Diretoria Nacional da Liga, logo aceita e divulgada, o Sr. Otto Albuquerque, Diretor Executivo da Regional, telefonou-me, lembrando que eu poderia pintar o retrato de Landell, cuja tela serviria para imprimir um cartaz, estaria exposta em Porto Alegre e, após seria doada a FEPLAM.

           Atendi. Pintei o retrato e compilei uma resenha biográfica do cientista, tentando que a Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República cuidasse do cartaz desejado. O pedido foi indeferido porque a programação de cartazes para a Semana da Pátria não poderia mais ser alterada. Voltei-me, então, pelas naturais conotações, para a Telebrasília, cujo Presidente, Cel. Danton Nogueira, também membro da Liga e alto espírito humanista, logo aquiesceu em financiar a impressão do cartaz. Registre-se que, na movimentação havida até então, aqui em Brasília, ninguém sabia quem era o inventor gaúcho, mas o Cel. Danton, ao ver o retrato e antes que lhe dissesse a que vinha, exclamou: olha o Landell de Moura!

           Cuidadas as preliminares para a confecção do cartaz, tratei de pedir a tela de volta e enviá-la para Porto Alegre, porém me foi dito, com tranqüilidade, que o retrato não sairia mais da Telebrasília. Era dela!... Também com tranqüilidade, concordei. Pintaria outra tela, pois nem a Liga, RS, nem a FEPLAM podiam ser frustradas. A primeira tela produzida tem 60 x 80 cm e nela figura somente o busto de Landell, tal qual esta a fotografia que tive para modelo. Nenhum pintor gosta de repetir o que já pintou e, não havendo outro retrato do cientista, era o caso de, pelo menos, dar-lhe outra concepção. No mesmo dia em que me disseram que a Telebrasília queria ficar com o retrato de Landell, apanhei a primeira tela virgem que encontrei no atelier: 1,60 x 1,00 m; é muita tela para um retrato, mas entrei em ação.

           Projetei pintar somente a figura do religioso, mas tão pronto desenvolvi os primeiros traços, aconteceu-me o que não raro ocorre quando pinto pessoas falecidas cujo espírito teve ou tem influência em mim. Sinto-me envolvido numa estranha catarse, interpenetrando-se comunicações entre o retratista e o retratado.

           Entrego-me passivamente à extasia que se processa. E "vi" imperiosamente os elementos que deveriam complementar a tela, pois nada ali está por acaso. Vi desde logo o Crucifixo, se Landell, na sua paixão científica, jamais claudicou no seu sacerdócio. Vi uns rolos de papel; neles, talvez, ele rascunhara inventos. Vi uns livros com registros, embora Landell usasse cadernos nas suas anotações.

           E a pasta aberta à frente do Padre, uma pasta como as que os artistas plásticos usam para preservar seus desenhos? Quererá dar luz a projetos que dele se desconhecem ou reavivar a memória dos que os esqueceram? Por que só a pasta aberta, se tudo o mais está silenciosamente fechado ou enrolado, como fecharam e enrolaram seus inventos em vida e na memória? Há mais: por que aquele trapo vermelho caído no ângulo de um consolo? Por que um consolo entre os móveis do inventor? Não havia um consolo na velha sacristia da antiga Igreja do Rosário, o que pintei e que esta no Museu de Arte do Rio Grande do Sul? Mas, e o trapo? Seriam restos de uma surrada batina de sacristão, antigamente usada no auxílio em ofícios sagrados e que ficaram perdidos no vetusto templo, assim pleno de história? Desde quando entra e sai, há tanto tempo, da Igreja do Rosário a Imagem de Nossa Senhora dos Navegantes para a procissão fluvial do dia 2 de fevereiro? Quanta coisa terá acontecido naqueles tempos da antiga igreja, com resíduos que Landell terá encontrado ao exercer ali o vicariato já nos últimos anos de sua vida? Há uma razão para se impor o trapo vermelho numa tela onde, finalmente, tudo está mais ou menos ordenado.

           Limparia com ele o pó que se acumulava nas coisas, como sobre a sua ciência e as suas lucubrações de profundo teor filosófico? Tudo isso, finalmente, dominou-me durante os dois dias de execução da tela e que registro para quem interessar possa, na advertência chã do "acredite se quiser".

                     Em 07/84

                               GUIDO MONDIN



Capítulo do livro "NO AR: A LUZ QUE FALA"
autoria de OTTO ALBUQUERQUE
1a. Edição - 09/85 - 2a. Edição - 12/99

Colaboração de Ivan Dorneles Rodrigues - PY3IDR
e-mail: ivanr@cpovo.net  


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Publicado em 01 de julho de 2006
Atualizado em 01 de julho de 2006