Eu
Comigo
Muito briguei eu comigo,
tive raiva,
me insultei.
E, de incontido desgosto,
em meu próprio ombro chorei.
Poesia
Mínima
Pinte estrelas no muro
e terá o céu
ao alcance das mãos
Pássaros
Libertos
Palavras são pássaros.
Voaram!
Não nos pertencem mais.
Luz
Interior
O brilho da lâmpada
no interior da morada,
empalidece as estrelas
Sombra No
Muro
Persigo um pássaro
e alcaço, apenas,
no muro,
a sombra de um vôo.
Cantiga
Tudo que a vida negou,
o sonho sempre de deu.
O próprio sonho rolou
Nas águas fundas do olvido.
Desalento
Estou cansada, tão cansada
de sonhar
Uma ventura humilde e pequenina,
Que não faria mal a ninguém
E a vida insiste em negar.
Meus pés afundaram o caminho do trabalho,
Na mesmice da tristeza e na mesmice da alegria.
Fartei-me de monotonia,
No labor de cada dia.
Se, ao menos, eu pudesse
Não sofrer
E não pensar...
Estou cansada, tão cansada de viver.
Reflexos
Teus olhos são limpos como o
céu varrido pela tempestade,
Desertos como a terra depois do dilúvio.
Profundos como os abismos abertos pelos cataclismos.
É que passou por eles a vida.
Altivez
Quando passo por diante dos
teus olhos,
Falando com a fingida animação,
oculto na folhagem das palavras
A flor do coração.
Disfarço o meu amor, e assim torturo e piso
O próprio coração, sem remorsos e sem pena,
Para que não lacere o gume do teu riso.
Quero esmagá-lo eu mesma, orgulhosa e serena. |
Tarde Demais
Se soubesse, amor, quanto eu
quisera ser
A doce companheira, indulgente e querida,
Que enchesse de alegria o vácuo de tua vida
Com seu alcandorado afeto de mulher...
Com que solicitude ardente e comovida
Minha ternura havia de aprender
A pagar de teu rosto os traços de sofrer,
A afastar de tu'alma a dor imerecida!
Eu desejaria ser a meiga feiticeira
Que transformasse em luz a tua vida inteira,
Concretizando o teu ideal de sonhador.
Mas, em teu coração outra mulher impera...
No encantado jardim do reino da quimera,
Floriu tarde demais o meu sonho de amor.
Coragem
Que a vida viesse a mim como
uma tempestade
E me ofuscasse o raio, e me açoitasse o vento;
Que o mar rugisse em torno do meu rude lamento.
E soçobrasse a nau dessa tranqüilidade.
Viessem, também o frio e a falta de alimento,
Fantasmas da aflição e da necessidade;
Que me ferisse o agudo espinho da maldade
E me afogasse o vagalhão do sofrimento.
Na austera provação, não pediria morte;
Eu amaria a vida e bendiria a sorte;
Faria até do inferno um claro e lindo céu.
E para que eu tivesse a bravura exigida,
Bastava que no embate imenso dessa lida
Eu fosse tua e fosses todo meu.
Miragem
Meu amor por você foi só
reflexo
Duma ternura imensa represada.
De coração ingênuo e alma apaixonada,
Fiz do meu próprio sonho um fantasma de amor.
Abismal
Meus olhos estão olhando
De muito longe, de muito longe.
Das infinitas distâncias
Dos abismos inferiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínqüo
Para você que está distante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria sua face.
Mas os cinco dedos pendem como um lírio murcho
Ao longo do vestido.
Aqui tudo é leve, silêncioso, indefinido,
imóvel.
Não tenho mais limites.
Tornei-me fluida como o ar.
Seus olhos tem apelos magnéticos,
mas estou abismada
Em profundezas infinitas.
Renúncia
Porque fujo de ti, dizes que
sou covarde.
Não percebes, então, a excessiva bravura
Que é preciso empregar por fugir-se à ventura,
Quando em sede de afeto o coração nos arde?
Heróica e silenciosa, ignorada e sem glória,
A renúncia do amor, é a suprema vitória.
Tempo
Cai a areia da vida
na ampulheta da morte. |